domingo, 18 de maio de 2014

A Teologia Dialética de Karl Barth

INTRODUÇÃO
Nesta postagem será abordada a teologia dialética, também chamada de teologia da crise ou da Palavra. Pensamento teológico que nasceu no século XX com o objetivo de ser uma resposta contra o liberalismo teológico. Conforme diz William E. Hordern¹ houve em 1919 uma perturbação em meio o contexto teológico europeu com o aparecimento de um comentário da Carta aos Romanos, escrito por um autor até então desconhecido. Segundo Gibellini², o comentário da Epístola aos Romanos, escrita por um pastor de Safenwil na Argóvia suíça, Karl Barth, fez com que ele recebesse um convite da universidade de Göttingen. Com essa obra, que segundo o teólogo Leonhard Ferndt o teólogo que a ignora é como se vivesse em vão, é que se abrem as portas para a teologia dialética no século XX.
Abordarei um pouco do pensamento teológico anterior à teologia dialética, chamado de liberalismo teológico para conhecermos a cosmovisão teológica que levou seu principal autor, Karl Barth, dar início a essa teologia. Veremos também o contexto histórico em que essa teologia surgiu, contexto esse que gerava muita tensão, devido ser o tempo em que estourava a Primeira Guerra Mundial e muitos teólogos tomavam partidos de guerra tentando, conforme W. E. hordern³, buscar semelhanças entre o nazismo e o cristianismo. E por último, após entender um pouco do contexto, iremos nos deter na teologia dialética em si, buscando conhecer seus principais autores, bem como o estilo linguístico e o desenvolvimento da doutrina bíblica a partir da teologia dialética.
PENSAMENTO TEOLÓGICO PRECEDENTE A TEOLOGIA DIALÉTICA
Liberalismo teológico é o nome do pensamento teológico do século IX, movimento que foi se formando a partir dos movimentos culturais, sociais e religiosos chamados de racionalista, deísta e iluminista que o último desenvolveu-se principalmente na Europa no período que vai da Revolução Inglesa (1688) até a Revolução Francesa (1789)4. O iluminismo exerceu significativa influência, embora negativa, sobre o cristianismo de um modo geral, mormente sobre o movimento evangélico, no século 19. Isso porque a ênfase dos iluministas estava centrada no homem, colocando Cristo e seu evangelho em segundo plano. Tal entendimento os levou, naturalmente, a uma racionalização da teologia e, consequentemente, deu azo ao surgimento, identificação e desenvolvimento de várias tendências religiosas e filosóficas5.
Entre os teólogos que começaram a andar pelo caminho do liberalismo teológico encontramos o luterano Friedrich Schleiermacher (1768-1834) é talvez o mais influente teólogo alemão do século 19, sendo considerado o fundador da moderna teologia protestante. Schleiermacher ataca frontalmente a or­todoxia, ao afirmar que a obra de Jesus (sofrimento, morte e ressurreição) nada significa para a salvação6.
Após Schleiermacher (1768-1834) foram surgindo outros teólogos e caminhando para o mesmo caminho, como o teólogo protestante alemão Albrecht Ritschl (1822-1889) e seus discípulos. Ritschl fora influenciado tanto por Kant como por Schleiermacher. Além de rejeitar o conceito jurídico da justificação, defendido por setores da ortodoxia protestante, a partir de Lutero e Calvino, Ritschl negou ou rein­terpretou as seguintes doutrinas tradicionais: trindade, igreja, reino de Deus, revelação, pecado original e encarnação7. 

Adolf Von Harnack (1851 – 1930) foi o próximo, teólogo e historiador alemão, grande erudito em patrística. Sua obra mais conhecida é Lehrbuch der Dogmengeschichte (História dos Dogmas, 1886-1889), onde ele procurou demonstrar que a relevância do cristianismo para o mundo moderno não repousa no dogmatismo teológico, mas no entendimento da religião como um desenvolvimento histórico. Após esses vieram outros, como Ernest Troeltsch, teólogo e filósofo, quem submeteu o cristianismo a uma análise histórica não somente cristã, como Harnack, mas no campo da história das religiões8. Gibellini cita ainda teólogos sistemáticos como Herrmann, estudiosos do antigo testamento como Wellhausen e no novo testamento como Jülicher.
Segundo Gibellini9
Suas características eram: a) assunção rigorosa do método histórico crítico e de seus resultados; b) relativização da tradição dogmática da igreja, e particularmente da cristologia; c) e a leitura predominantemente ética do cristianismo. Em sintonia com o otimismo liberal, ela visava harmonizar o mais possível a religião cristã com a consciência cultural da época.
 Caminhando assim não haveria outro caminho a não ser entrar, pelo qual, a maioria desses teólogos entrou, assemelhando-se ao nazismo e buscando dar força a tal movimento social, civil, econômico e político que já estava causando grandes perdas para a humanidade.

 PANO DE FUNDO HISTÓRICO DA TEOLOGIA DIALÉTICA
           

           A teologia dialética surgiu em um contexto histórico conturbado, vários problemas atingiam as principais nações europeias no início do século XX. O século anterior havia deixado feridas difíceis de curar. Alguns países estavam extremamente descontentes com a partilha da Ásia e da África, ocorrida no final do século XIX. Alemanha e Itália, por exemplo, haviam ficado de fora no processo neocolonial. Enquanto isso, França e Inglaterra podiam explorar diversas colônias, ricas em matérias-primas e com um grande mercado consumidor. A insatisfação da Itália e da Alemanha, neste contexto, pode ser considerada uma das causas da Grande Guerra.       Esta concorrência gerou vários conflitos de interesses entre as nações. Ao mesmo tempo, os países estavam empenhados numa rápida corrida armamentista, já como uma maneira de se protegerem, ou atacarem, no futuro próximo. Esta corrida bélica gerava um clima de apreensão e medo entre os países, onde um tentava se armar mais do que o outro10. Tudo isso culminou na Primeira Guerra Mundial datada no ano de 1914 que após muitos conflitos, lutas, prejuízos econômicos e aproximadamente 10 milhões de mortos teve seu fim em 1917.
            Logo em meados do ano de 1930 iniciava-se mais uma guerra, a Segunda Guerra Mundial, trazendo toda a sua cosmovisão nazista liderada por Hitler e com o apoio de muitos teólogos, movimento chamado de “Movimento Cristão da Alemanha”11.
            A primeira guerra mundial e seus horrores acabaram por soterrar o idealismo teológico liberal. A culta Alemanha, a liberal Inglaterra e a civilizada França lutavam como animais ferozes12. O que demonstrou que os teólogos liberais eram mestres de uma religião atada a uma cultura, e não a Deus. É nesse contexto histórico que surge a teologia dialética buscando combater o liberalismo teológico.
 

TEOLOGIA DIALÉTICA

            Em 1919, um jovem pastor de uma pequenina igreja da Suíça escreveu um comentário tão radical que certo escritor disse que “Karl Barth pegou uma carta escrita em grego do primeiro século e transformou em uma carta urgente para o homem do século vinte”. Um teólogo católico disse que “esse comentário aos Romanos foi uma revolução copernicana na teologia protestante que acabou com o predomínio do liberalismo teológico”. Ele foi, de fato, uma bomba que Barth lançou no cenário teológico contemporâneo13.
Em oposição a teologia liberal, Barth enfatizou a necessidade que o homem tem da revelação, e chamou suas idéias de Teologia da Palavra de Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia e a Palavra de Deus.
Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é simplesmente um livro, mas, pelo menos, um livro através do qual nos pode chegar a Palavra de Deus. A relação entre Deus e a Bíblia é real, porém indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra de Deus enquanto Deus fala por meio dela [...] a Bíblia se transforma em palavra de Deus nesse momento”14.  Na concepção dele existe uma diferença entre a revelação e a bíblia, Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. Esse é o conceito barthiano de revelação. O comentário de Barth também introduziu um novo método para explicar a teologia, a dialética. Esse termo ficou rapidamente associado à obra de Barth, ainda que o método tenha sido tomado por empréstimo do teólogo existencialista Soren Kierkgaard. Kierkgaard havia dito que toda afirmação teológica era paradoxal, não podendo ser sintetizada. O homem devia somente conservar ambos os elementos do paradoxo. É esse ato de sustentação do paradoxo que Kierkgaard chama de “salto de fé”.
Tal conceito influenciou muito a teologia barthiana, de maneira que quando preparava o comentário aos Romanos, Barth afirmava que “enquanto estamos na terra, não podemos fazer outra coisa em teologia a não ser utilizar o método de afirmação e contra-afirmação. Não nos atrevemos a pronunciar em forma absoluta a palavra definitiva [...]. O paradoxo não é acidental na teologia cristã. Ele pertence, em certo sentido, ao coração do pensamento doutrinário”. A própria natureza da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é justificado por Cristo, mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que, segundo a teologia dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o homem, ao encontrar a contradição do pecado e finitude humana, só pode ser assimilada pela mente humana como sendo um paradoxo15.
            Em sua primeira obra Barth insistiu no conceito e que Deus é “Inteiramente Outro”. Ao designar Deus dessa forma, o que Barth quis dizer é que Deus é uma realidade distinta de nós. E por isso, o homem era incapaz de conhecer a Deus por suas próprias faculdades da razão E sua experiência na vigência do nazismo concorreu para que ele se firmasse cada vez mais nessa tese16.
Sem dúvida o grande tema de Barth, em oposição declarada ao liberalismo, foi a “infinita diferença qualitativa” entre eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o homem. Não se pode identificar Deus com nada no mundo, nem sequer com as palavras da Escritura. Deus chega ao homem como a tangente que toca o círculo, mas na realidade não o toca. Diferente do liberalismo, Barth não objetivou ligar Deus à cultura humana.
De forma bem sucinta podemos fazer um resumo da teologia de Barth, se é que é possível, devido a grande quantidade dos seus escritos, pois produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos: Comentário à epístola aos romanos (1919); O cristão na sociedade (1920); A ressurreição dos mortos (1924); A palavra de Deus e a teologia (1925); A dogmática cristã (26 vols, 1932-1969); A teologia protestante no século 19 (1947).
1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a possibilidade de auto-redenção nem ao menos de conhecer Deus, mas somente de saber que não o conhece.
2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.
3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.
4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna realidade? A Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do acontecimento da Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento colocam Jesus Cristo como o “Cordeiro de Deus”, anunciado por João Batista. Por isso, sem dúvida, desde seus primeiros anos como pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura de Grünewald em que João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.
5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.


Temos mais uma valiosíssima síntese da teologia de Karl Barth conforme Gibellini17:
No período dialético da Epístola, valem as seguintes afirmações centrais: a) Deus é Deus e não é o mundo; b) o mundo é mundo e não é Deus, e nenhuma via conduz do mundo a Deus; c) se Deus encontra o homem – e é este o grande tema da teologia cristã -, esse encontro é Krisis, é juízo, é tocar o mundo tangencialmente, que delimita e separa o mundo novo do velho. No período da Dogmática, vão tomando consciência as seguintes afirmações centrais: a) Deus é Deus, mas é Deus para o mundo: ao Deus que é totalmente Outro sucede a figura de Deus que se faz próximo do mundo; b) o mundo é mundo, mas é um mundo amado por Deus: passa-se do conceito da infinita diferença qualitativa aos conceitos de aliança, reconciliação, redenção, como conceitos-chave do discurso teológico; c) Deus encontra o mundo em sua Palavra, em Jesus Cristo: daí se segue a concentração cristológica subsequente ao enfoque escatológico do período dialético.
Gibellini nos informa que Barth em seu último curso na universidade de Basiléia, Introdução à teologia evangélica (1962), o velho teólogo assim definia a existência teológica, que fora sua paixão: admiração diante do objeto teológico, submissão ao objeto in-comparável, compromisso, fé. Era a descrição precisa da teologia da palavra, tal como fora utilizada por Barth, com metodologia dialética no período dialético, com a analogia fidei nos longos anos da Dogmática18.
CONCLUSÃO
Sem dúvida alguma o cenário teológico dos séculos XIX e XX mudou muito depois da teologia dialética, tendo como seu principal expoente Karl Barth. É claro que Barth não foi o único teólogo que promoveu tal pensamento, teólogos como, por exemplo, Emil Brunner, Friedrich Gögarten, Eduard Thurneysen e Rudolf Bultmann, também foram peças importantíssimas para tal posicionamento teológico.
A teologia dialética não é o padrão de teologia que a ortodoxia busca desenvolver, e a própria teologia ortodoxa discorda da dialética principalmente em seu modo de abordar a palavra de Deus. A nomenclatura usada para descrever a teologia dialética é Neoliberalismo, ou seja, não é o liberalismo do século XIX e nem a ordotoxia, mas uma fase intermediária de se encarar as Escrituras.
Mas temos que entender que, conforme vimos anteriormente, no contexto o qual viveu Barth escrever uma obra como a Epístola aos Romanos, em que ele abandona o liberalismo dos grandes eruditos da época para uma visão mais ortodoxa, ainda que não em sua totalidade, já é um grande feito.
Sua teologia é de suma importância para o século vinte e, de fato, quase todo o pensamento teológico moderno até a década de setenta envolverá a perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus pressupostos ou acirrar-nos contra ele, mas nenhum teólogo de nossa época poderá jamais ignorar a teologia dialética de Karl Barth e sua influência no cenário teológico contemporâneo.


BIBLIOGRAFIA
GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX.  São Paulo, Edições Loyola, 2ª ed. Ano 2002.
HORSERN. William E. Teologia contemporânea. São Paulo, Editora Hagnos, 2004.
COSTANZA, José Roberto da Silva, As raízes do liberalismo teológico, FIDES REFORMATA X, Nº 1 (2005): 79-99.
CONTEMPORÂNEA, Teologia. A teologia dialética de Karl Barth e a revolta contra o Liberalismo Teológico. Disponível em: < http://teologiacontemporanea.wordpress.com/2009/10/07/a-teologia-dialetica-de-karl-barth-e-a-revolta-contra-o-liberalismo-teologico/ > Acesso em 26 de agosto de 2013.
MUNDIAL, A Primeira Guerra. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/primeiraguerra/> Acesso em 30 de agosto de 2013.
MUNDIAL, A Primeira Guerra. Disponível em: <http://teologia-contemporanea.blogspot.com.br/2008/02/karl-barth-1886-1969.html> Acesso em 26 de agosto de 2013.

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